É uma tarefa difícil capturar o estilo e o espírito de uma geração tão emblemática como a juventude grunge de 90, mais complicado ainda é conseguir desenvolver drama e humor bem construído e nos mostrar a magia em torno desses jovens, mas é preciso manter a força da história e estar bem decidido sobre quais questões o filme quer ou não quer tratar. Miles Joris – Peyrafitte em seu filme de estreia , “Como Você É “, nos entregou uma elaborada e criativa produção cheia de artifícios visuais, ritmo e potencial para explorar os anos 90, mas ao mudar de foco drasticamente o longa começa a decair até o derradeiro final confuso.

A produção trata sobre os anos 90, e em especial sobre o movimento do gênero grunge, popularizado por Nirvana e Kurt Cobain, dentro dessa temática conhecemos a realidade dos jovens confusos e cheios de raiva dessa década. A trama começa em uma investigação policial, e através de flashbacks nos é mostrado a relação entre três adolescentes e suas amizades e romances, e ao decorrer do filme através das duas narrativas vamos entendendo e conhecendo mais sobre o que levou a se iniciar a investigação.

 

 

O maior dos defeitos desse lançamento se concentra em seu roteiro inconsistente. O script começa bem, trabalhando o encontro de Mark (Charlie Heaton) e Jack (Owen Campbell) e sua forte amizade. Enquanto a história decorre, eles iniciam uma relação de irmãos, morando sob o mesmo teto, e a partir daí conhecemos suas personalidades, dramas familiares e medos enquanto eles vivem suas vidas com toda intensidade e humor que possuem, ao lado da amiga Sarah (Amandla Stenberg). Paralelo a tudo isso o filme consegue criar um suspense e tensão nas cenas de interrogatório no presente, onde vemos os personagens contarem sobre o passado, e vamos aos poucos desvendando esse quebra-cabeça.

Depois de certo tempo, o filme muda drasticamente de tom e mensagem, ao iniciar uma abordagem de romance homossexual e desejos possessivos, que por contradizer a outra metade do filme inspirada na juventude de 90, o longa começa a desandar, e o que era criativo e elaborado começa a ser cobertos por furos na trama e clichês, até o momento que desvendamos o quebra-cabeça e chegamos ao final confuso e decepcionante da obra que enfraquece todo o produto.

Agora falando sobre as qualidades, a direção de fotografia é um primor, nos mostrando duas diferentes paletas de cores, uma pesada, crua e documental no presente ao trabalhar a narrativa policial da história, e outra mais estilizada com sombras e cores fortes se alternando conforme a relação entre os jovens evolui no drama. Os ângulos e planos que o diretor escolhe usar também ajudam a dar um tom diferenciado ao filme, cheio de experimentalismo com cenas dramáticas em slow-motion e muitos movimentos criativos dignos da série “Breaking Bad”, percebe-se nitidamente que essa é uma obra de um diretor estreante muito empolgado e curioso com as técnicas de filmagem.

A direção também está bem caprichada, sabe levar o telespectador pela história intercalando passado e presente, atos e consequências e criar um desenrolar prazeroso da trama. Sabe dirigir bem os atores em cena, e criar um suspense ao redor dos jovens, ao mesmo tempo que consegue nos passar a força dessa juventude, e os lados bons e ruins da vida deles.

A trilha sonora é um dos pontos que mais se destacam, trazendo músicas da época e sons feitos em sintetizadores, que ajudam no clima sombrio e pesado conseguindo desestabilizar o público enquanto a história é contada.

A direção de arte também está ótima, bem caracterizada e bem montada, que através do visual consegue nos fazer identificar a época sem que precisem usar menções históricas ou diálogos expositivos, totalmente adequado historicamente com a década de 90 e o movimento grunge.

Agora se tem um ponto fortíssimo nesse filme que consegue segurar boa parte dos deslizes do roteiro, são suas belíssimas atuações, aqui vemos Charlie Heaton de “Stranger Things” trabalhar outros personagem solitário e desconexo do mundo ao redor, mas em tom e estilo totalmente diferentes, temos também em Amandla Stenberg muito carisma em cena, masa infelizmente não é bem aproveitada na trama, e talvez o ponto mais forte das atuações esteja em Owen Campbell personagem complexo, sensível, repleto de raiva e ao mesmo tempo que transborda timidez, tudo bem elaborados nas expressões incríveis do ator, com certeza ainda ouviremos falar muito de Campbell no futuro.

O saldo que fica ao final, é que se tem um longa de estilo visual e técnicas artísticas admiráveis para um filme estreante de diretor, mas que devido a fortes deslizes na história acaba afundando drasticamente e perdendo todo potencial que possuía até o meio do filme, um filme que com certeza pode trazer um futuro para a equipe em outras produções por ter os colocado em evidencia no mercado, mas que não se tornará memorável e acabará esquecido daqui um tempo.

REVER GERAL
Roteiro
5
Direção
7
Atuações
10
Direção de Fotografia
10
Direção de Arte
10
Nascido em São Joaquim da Barra interior de São Paulo, sou um escritor, cineasta e autor na Cine Mundo, um cinéfilo fã de Spielberg e Guillermo del Toro, viciado em séries, leitor de quadrinhos/mangás e entusiasta de animações.