Dogville – Uma cidadezinha não muito longe daqui
O diretor dinamarquês Lars Von Trier ganhou reputação de polêmico dentro do cenário da sétima arte demonstrando interesse e inquietação na hora de discutir sobre a tão falada “natureza humana” tema recorrente em alguns filmes como “Anticristo” e claro “Dogville”.
A premissa da trama traz Grace, uma fugitiva que chega à cidade de Dogville em busca de esconderijo, pois é perseguida por gangsters, a moça se depara com Tom, um rapaz generoso que promete ajuda-la a encontrar um lugar na cidade. O filme rodeia a vida de Grace e dos emblemáticos moradores de Dogville.
Estabelecendo a noção da bravura do dinamarquês diante de sua arte, acredito ser relevante ressaltar que Dogville é a primeira parte de uma trilogia intitulada “E.U.A. – Terra de Oportunidades”, seguida por Manderlay (2005) e Washington (ainda não produzido), que tem como objetivo realizar uma análise crítica sobre a sociedade norte-americana, mas é tão abrangente que não cabe só nos Estados Unidos.
Já de início ao me deparar com o cenário escolhido pelo diretor me dei conta de que o que estava prestes a assistir não se tratava de uma película trivial. Contado em nove capítulos Lars Von Trier abusa do minimalismo cenográfico alegoricamente aluindo a facilidade com a qual podemos enxergar o que está errado no mundo, tudo que está fora do lugar e ainda assim fingimos que uma porta enorme tapa nossos olhos para que sejamos capazes de seguir com a vida sem peso na consciência. Em Dogville, não se vê estradas para outros lugares, não se vê montanhas ao redor, estão todos presos naquele mundo, não se vê nada, não se vê o outro. Como você acha que os Estados Unidos veem o resto do mundo?
Os personagens de Dogville fingem, eles fingem abrir e fechar portas, ao passo que fingem e disfarçam suas perversões para poder transitar dentro de uma cultura que respira, sobrevive de aparências plastificadas, de pessoas fabricadas.
Lars Von Trier é um cineasta que ao contrário da massa Hollywoodiana não está preocupado em agradar o espectador, em Dogville ele escancara aquilo de mais desprezível que um ser humano pode oferecer para o mundo de uma forma cruel a ponto de doer o estômago, ele degola a concepção humanista de um homem inclinado ao bem.
Thomas Edison, personagem que representa americano o inventor da lâmpada é o combustível social de Dogville, um bom moço que deseja ver mudanças na cidade – no sistema – e a desafia a aceitar a Graça (Grace) que lhes chega. Tom é o Iluminismo, que fracassa. Um feixe de luz à salvação de Grace brilhantemente interpretada por Nicole Kidman, que surge como uma mulher misteriosa que precisa conquistar a confiança dos moradores de Dogville a fim de obter seu refúgio, após passar por certa relutância Grace consegue uma chance de mostrar o seu valor e irá pagar muito por isso.
Von Trier e seu sadismo escancarado maltratam mais uma vez seu telespectador com essa obra de arte que tanto admiro por sua honestidade crua, Dogville certamente não é um filme a ser assistido numa tarde de domingo com os amigos comendo pipoca, essa obra é uma visão real e pessimista da sociedade. Não conheço toda a obra de Lars, porém já assisti a seus principais filmes e acredito ser difícil de superar a atmosfera criada nesse ambiente minimalista que te obriga a derrubar as paredes e ler o que os riscos no chão estão escrevendo. Dogville, é para mim o seu melhor trabalho.
A natureza humana é tema complicado de ser discutido, pois quando falamos da crueldade do outro também falamos da nossa, somos todos farinha do saco quase fabricados pela mesma cultura, afinal, como não ser influenciado pelos Estados Unidos? Entretando, Lars Von Trier não demonstra nenhum desconforto em nos deixar desconfortáveis e realiza aqui um filme que funciona como um espelho, você assiste e se vê, vê o seu vizinho, o seu bairro…
O desfecho de Dogville é cruel por ser gratificante e gratificante por ser cruel, Lars Von Trier nos coloca frente a frente com o heroísmo de Grace e desejarmos o final que se sucede saboreando a dolorosa verdade que somos todos feitos de bem e somos todos feitos de mal.