A Glória e a Graça apresenta uma família aparentemente equilibrada, composta por Graça e seus dois filhos, Papoula e Moreno, no entanto logo no inicio do filme conhecemos os conflitos de cada um desses personagens e percebemos que existem muitos problemas ao redor desse lar.

Graça, descobre um aneurisma cerebral que não pode ser operado, sendo assim precisa encontrar alguém de confiança que possa assumir a guarda de seus filhos caso algo ruim venha a acontecer, sem grandes opções, ela recorre ao seu irmão com quem brigou e não se comunica há mais de 15 anos, agora ele se chama Glória, uma travesti independente e bem sucedida dona de seu próprio restaurante em uma cidade vizinha. Paralelo a isso, os filhos de Graça precisam lidar com o momento conturbado que os afeta, além de seus próprios conflitos diários como a autoestima e o bullying. Trata-se de um roteiro pautado em um drama familiar que o explora de forma humana e profunda, abordando diversos temas inquietantes em nossa sociedade, como a identidade de gênero, as concepções de “feminino” e “masculino”, e a criação dos filhos.

Em termos técnicos o roteiro parece escorregar em diálogos artificiais em seu inicio, problema esse que não dura mais do que a introdução, quando finalmente passamos a dar credito ao que está sendo exibido. A trama aqui consegue ser bem desenvolvida e mergulhar em diversos pontos complexos da realidade LGBTQ+ que, embora não sejam a pauta principal, ainda possuem sua devida atenção. No entanto nem todos os temas expostos no filme recebem a mesma profundidade ou conseguem surtir algum efeito reflexivo, sendo apenas citações esporádicas que muitas vezes passam batidas gerando uma lacuna no público.

A direção de Flávio R. Tambellini é segura e solida em sua proposta de retratar um conflito familiar. Os atores estão bem envolvidos entre si, a mensagem funciona e a linguagem adotada é autentica, cativante e sonhadora, algo que torna-se cada vez mais evidente durante o filme.

O elenco é algo de se admirar, começando por ninguém menos que Carolina Ferraz vivendo a complexa Glória, conhecida anteriormente como “Luiz Carlos” e hoje após muito sofrimento conquistou seu espaço na sociedade, essa é sem dúvidas uma das melhores atuações da carreira de Carolina Ferraz, que também é co-produtora do filme. Sandra Corveloni é Graça, uma mulher totalmente dedicada aos filhos e que ainda carrega uma série de culpas de seu passado, aqui temos uma personagem que facilmente poderia ser limitada por um roteiro simples, mas é exaltada pelo texto e pela performance de Sandra que transita entre a insegurança de suas decisões e a fragilidade de quem teme a morte. O elenco jovem não perde o folego diante dessas duas atrizes experientes, aqui temos os dois irmãos Papoula (Sofia Marques) e Moreno (Vicente Kato), ambos sentindo todo o impacto da doença da mãe, embora ainda não tenham conhecimento da condição exata em que ela se encontra. Sofia e Vicente ganham ainda mais destaque quando interagem juntos de Carolina e Sandra, expondo todo o entrosamento da equipe.

Entrosamento, por fim é a melhor palavra para definir todo o elenco desse filme, que juntos de um bom diretor cada um consegue ter seu destaque. Mesmo os coadjuvantes conseguem esbanjar carisma e simpatia, envolvendo o público nesse drama tão atual.

A direção de fotografia é impecável e dotada de uma linguagem recheada de referências, mas com muita autenticidade na execução. Temos aqui um evidente apelo as cores, que sempre se mostram em evidência durante todo o filme, mas sempre colocando uma cor especifica em maior dominância que as outras, de forma condizente com cada uma das cenas. É comum notar também uma variação na iluminação dos locais, como no consultório do médico de Graça que na primeira vez quando ela recebe a noticia tudo está escurecido, com apenas os dois personagens iluminados, diferente do retorno, quando Graça está mais confortada ao lado de Glória e nós finalmente enxergamos todo aquele ambiente no qual o médio atende seus pacientes. Há de se mencionar um rico leque de enquadramentos e planos que transitam entre o desagradável clima de uma briga e a harmonia de uma comemoração em família.

A direção de arte não passa batida, com cenários ricos e diversificados que são bem amonizados com a linguagem da fotografia, conseguindo juntos passarem toda a carga emocional que essa família carrega de longa data.

A Glória e a Graça é um filme belíssimo, com um drama atual e personagens extremamente realistas em toda a essência de suas ações. É acima de tudo uma reflexão acerca de aceitação e dos valores familiares, essenciais para qualquer ser humano.

REVER GERAL
Roteiro
8
Direção
9
Atuações
10
Direção de Fotografia
10
Direção de Arte
9
Criador e editor da Cine Mundo, trabalho com conteúdo online há mais de 10 anos. Sou apaixonado por filmes e séries, com um carinho especial por Six Feet Under e Buffy The Vampire Slayer.