Pânico (Scream) é um dos grandes ícones do gênero slasher, o filme fez referência a todos os clássicos e suas respectivas sequências, satirizou os clichês, e criou a melhor franquia desse subgênero.
— O texto contém spoiles do filme —
Na história, acompanhamos uma série de assassinatos misteriosos que começam a acontecer na cidade de Woodsboro. O assassino usa uma fantasia de “anjo da morte”, ou Ghostface, como ficou conhecido posteriormente. Paralelo a isso, conhecemos Sidney Prescott (Neve Campbell), que ainda não superou o trauma de ter presenciado a morte de sua mãe no ano anterior. Logo após o primeiro assassinato, ela recebe uma ligação ameaçadora e descobre ser o principal alvo do psicopata.
A sequência de abertura desse filme está entre as cenas mais marcantes do cinema de terror norte americano. São minutos de perseguição que emulam toda uma geração de filmes e seus clichês, técnicas e arquétipos de personagens. Uma verdadeira saudação que marca a transição do gênero para uma nova era. Quem protagoniza esse momento é ninguém menos que Drew Barrymore, um ícone do cinema, que em seus poucos minutos de vida faz referência ao clássico “A Hora do Pesadelo” (também de Wes Craven), reverenciando o longa e criticando, com humor, suas inúmeras continuações.
O roteiro é impecável e sabe conduzir o público por meio do suspense acerca da identidade do criminoso, algo que ainda não era tão comum no gênero slasher, mas depois foi reutilizado em diversas produções. Mais do que um mistério, colocar dois assassinos se passando apenas por um, foi genial e de suma importância para confundir o público durante o filme.
Assistindo pela segunda vez, ou pela milésima como eu, você consegue notar diversas pistas que apontavam para Billy Loomis, como o grande assassino por trás da máscara. Seja pela aparição misteriosa de Loomis na janela do quarto de Sidney, logo após o primeiro assassinato, ou até a música “Don’t Fear the Reaper”, que é tocada com um ritmo mais lento na mesma cena.
Personagens como Casey (Drew Barrymore) e Tatum (Rose McGowan), funcionam como veículos explícitos da crítica aos valores clichês e conservadores do slasher. As duas são loiras e bonitas, portanto são também as clássicas vítimas preferidas dos assassinos na maioria dos filmes do gênero. Conscientes disso, ambas satirizam o esteriótipo e jamais são reduzidas à objeto sexual e deleite masculino. No entanto, como seres humanos complexos, elas perecem na luta pela sobrevivência, cada uma a sua maneira, mas assim como na vida real, nem sempre conseguimos vencer nossos monstros.
Por outro lado, Sidney é a legitima protagonista da franquia, mantendo uma das grandes heranças do terror oitentista; a final girl. Todavia, ela é uma personagem que transita entre a submissão dos clichês e quebra dos paradigmas. Minutos antes de seu primeiro embate com o vilão, ela julga as vítimas que correm para o andar de cima de suas casas, ao invés de fugirem do assassino pela porta da frente, porém, logo depois ela é obrigada a realizar a mesma ação por conta das circunstâncias impostas, mostrando que nem todas as atitudes são simplesmente incoerentes, mas muitas vezes necessárias. Já na reta final, quando nos aproximamos do desfecho, Sidney subverte um dos esteriótipos mais conservadores do gênero. Na sequência em questão, acompanhamos Randy – o nerd – tentando explicar as regras dos filmes de terror, comparando a situação que eles estão vivendo ao clássico de John Carpenter, Halloween. Em um dos diálogos é citado a importância da virgindade para que a personagens feminina sobreviva no final, fazendo uma menção direta a Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), paralelo a isso a edição intercala esse momento com Sidney se despindo para Billy em um dos quartos da mesma residência. Essa cena inclusive é construída sem exposição ou objetificação do corpo da atriz.
O elenco é cheio de grandes nomes da época, sendo que Neve Campbell está impecável como protagonista dessa franquia marcante. A atriz consegue desenvolver com perfeição toda a trajetória de Sidney, explorando suas camadas, seus medos, e até a sua inocência que é gradativamente corrompida com o avanço dos crimes. Courteney Cox como a jornalista ambiciosa, Gale Weathers, faz o caminho oposto ao de Sidney, indo de uma personalidade egoísta e até vilanesca, para a figura de uma mulher insegura, com diversos problemas emocionais, e que no final torna-se uma das heroínas do longa. David Arquette está muito bem como o xerife canastrão, Dewey, assim como o restante do elenco que entrega um trabalho caprichado. Rose McGowan e Drew Barrymore dispensam comentários, pois mesmo interpretando personagens breves na trama, elas carregam uma importante mensagem por trás de suas atuações.
A direção de fotografia é predominantemente focada em planos dramáticos, especialmente no uso dos close-ups, mas que diferente de outros filmes de terror que usam essa técnica para preservar o mistério ao redor da cena, em “Pânico” o intuito maior é evidenciar as interpretações, nos permitindo julgar quem possivelmente estaria mentindo e seria o psicopata por trás dos assassinatos.
A direção de arte é simples quando pensamos na composição dos cenários, e explora ambientes comuns do cotidiano geral, como escola, casa, e por um momento, a delegacia. Dito isso não percebemos muitas ambientações que exijam mais do que a simples, e importante, coerência narrativa. Agora quando falamos de figurino, temos excelentes escolhas, com visuais diferentes e repletos de cores vivas que representam a individualidade de cada personalidade presente no filme. Em especifico, o único com tons de preto é o vilão icônico, Ghostface, que através de uma fantasia comum, cria uma figura lendária e que permanece viva até hoje na história do cinema.
Após surfar na onda de sucesso do slasher com “A Hora do Pesadelo” (1984), Wes Craven retornou na direção desse filme lendário, que crítica diversas obras anteriores, e estabelece um marco no cinema. O diretor consegue passar a sua mensagem transitando entre terror, suspense e comédia, sem muita dificuldade. Tudo é feito com equilíbrio e sutileza, como uma verdadeira obra-prima.
Estamos falando de um terror slasher clássico, que mesmo anos depois, ainda consegue ser divertido e claramente bem executado. É um marco que reverência um subgênero que teve um inicio “tímido” com o revolucionário Psicose, e caiu totalmente no gosto do grande público através de Halloween, em 1978. Pânico resume essa época e seu legado, através de uma boa história e personagens marcantes.