Crítica: Rei Arthur: A Lenda da Espada

A famosa história inglesa do “Rei Arthur” e de sua Excalibur já foi adaptada por diversas vezes na TV e no cinema, cada vez tomando um ritmo e tom diferente da anterior como em Rei Arthur, Excalibur e até na minissérie “Brumas de Avalon”. Os mitos e lendas relacionado à realeza britânica antiga é extremamente rica e oferece muito material para grandes aficionados por aventuras, guerras e fantasia. Agora parece que tivemos com Guy Ritchie, talvez a mais ousada das produções a usar como base essa história.

Na trama Arthur (Charlie Hunnam) é um jovem pobre sem qualquer credibilidade e que desconhece a sua origem até o momento em que conhece a Excalibur. Agora ele precisa dominar a espada, reunir o seu povo e enfrentar seu inimigo, Vortigern (Jude Law), que destruiu sua família há anos atrás.

Pois bem, falemos então de seu roteiro com um primeiro e terceiro ato bem estruturados, apesar de um tanto divergentes e vários deslizes ao longo do filme.

Em seu primeiro momento somos apresentados a um prólogo que nos lança direto para a conspiração e a aventura que envolve Arthur, mas o curioso é que logo em seguida toma-se um rumo incomum e original, clássicos de uma produção de Ritchie, pois perde-se o tom sério e fantasioso para adentrar no estilo narrativo de história sobre bandidos e ladrões com diálogos rápidos, subornos, interrogatórios dignos de filmes policiais, personagens carismáticos e engraçados, várias reviravoltas e é nesse caminho que o filme é bem-sucedido. A Partir do segundo ato, surgem alguns problemas de desenvolvimento do vilão Vortigen onde não são mostradas suas grandes motivações por trás de suas atitudes, o que atrapalha um pouco, apesar de serem bem cuidadosos ao traçar a jornada de Arthur desde ladrão até se tornar o rei e herói. É também nessa parte que ocorre uma desaceleração do ritmo, ficando um tanto parado por muitos momentos e assim chegamos ao seu terceiro ato, no qual os planos de Vortigen e a jornada heroica de Arthur chegam ao ápice e retoma-se o tom do prólogo fantasioso, com a ação surtada e épica dando lugar a cenas incríveis em seu clímax colocando os personagens à prova e concluído o desenvolvimento de Arthur.

O roteiro não funcionaria se não fosse o seu elenco carismático e forte, Charlie Hunnam encarna bem a figura de malandro dos tempos medievais que apesar de todos os golpes que planeja, ainda possui uma forte empatia com aqueles a seu redor e demonstra ter um grande coração. A atuação de Hunnam consegue transpor facilmente isso e nos entrega um ótimo herói e também mostra o quão bom é esse ator e o quanto ele esteve pedindo por uma chance para trabalhar em um longa do gênero. Não podemos dizer o mesmo do antagonista, Vortigen, vivido por Jude Law, um inimigo ameaçador, frio e às vezes até um tanto caricato que apesar de boa performance e da ótima carreira do ator, ele ainda é um tanto inconsistente em certos momentos, talvez pelo fato de haver pouco a se desenvolver em termos de roteiro, é possível que isso tenha prejudicado o próprio processo de criação do ator, mas ainda assim ele entrega o necessário para o arco do protagonista. Temos ainda ótimas participações de Djimon Hounson como Bedivere, Astrid Bergès-Frisbey como a Maga, Eric Bana como Uther Pendagron e Aidan Gillen como Gossefat Bill, todos muito bem entrosados em seus personagens e com boa química entre eles, mas não há muito o que ser desenvolvido ou explorado em relação aos seus respectivos arcos.

Agora vamos falar da parte técnica, elemento extremamente necessário na narrativa do longa. Em sua direção de fotografia notamos a mesma paleta de cores um tanto azulada e cinza já utilizada em sequências dos filmes de Ritchie, como “Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras” (2011) e em “O Agente da U.N.C.L.E” (2015). A diferença é que devido a temperatura dessa região inglesa optaram por usá-la por quase todo o filme e isso ajuda dois elementos, o teor sombrio e fantasioso da trama e seus efeitos visuais que parecem funcionar muito melhor com esse estilo. Mas onde ele acerta em cheio é em sua movimentação dos takes e na edição, aproximando e afastando as câmeras, trabalhando com muitos efeitos, acelerando e desacelerando cenas, girando ao redor do cenário e trocando de ângulos com muita rapidez, é como se fosse aplicado todos os artifícios usados em filmes de “golpe”, agora dentro de uma produção medieval.

E como falar de um filme de época sem comentar da direção de arte e figurinos?
Dito isso devo dizer que existe uma construção muito cuidadosa desses elementos, pois ao longo da aventura vemos diversos figurinos de alto nível que conseguem ficar no limite entre o aceitável historicamente e a linguagem anacrônica que tanto se prega na trama e isso é bem perceptível pela vestimenta do Rei Arthur e seus colegas ladrões, sendo que ainda existe o contraponto que é o núcleo central da realeza e observamos isso na armadura fantasiosa, épica e até um tanto vilanesca de Vortigen. Os cenários também não ficam atrás, mas estão bem mais trabalhados em locais como “as ruas” de Londonium, do que no castelo do rei, em que há um grande uso de CGI o que nem sempre agrada a todos, apesar de ainda conseguir dialogar muito bem com o vilão, o que é algo essencial para a narrativa.

Quanto a trilha sonora feita por Daniel Pemberton, posso dizer que há tempos não ouvia uma trilha tão curiosa, subjetiva e empolgante com sons que emulam os instrumentos da época e trazem significados em cena, como quando ocorre uma grande correria pelos becos da cidade e ouvimos um som semelhante aos suspiros de uma pessoa cansada e ofegante e algumas vezes esses dois diferentes estilos são até misturados junto de uma voz melódica e guitarras, o que potencializa ainda mais a experiência audiovisual do longa.

E para concluirmos, falemos da direção de Guy Ritchie, um diretor extremamente autoral especializado em filmes sobre criminosos ingleses, e com isso ele cresceu muito ao longo dos anos e migrou para os blockbusters, aplicando todo o seu estilo dentro dessas produções. Aqui ele se mantém fiel a suas origens e técnicas tão ousadas, coordenando o que podemos chamar de um filme de “aventura/crime/fantasia” com foco em dar motivações e desenvolver a história de um ladrão a caminho de ser rei, talvez devesse apenas ter direcionado melhor o meio da produção, no qual acaba perdendo um pouco o ritmo como já havia dito, mas ainda assim preciso elogiar a direção de sua ação seja em cenas épicas dignas de games como “Dark Souls” (2011) ou em perseguições do governo atrás dos ladrões, ele se sai muito bem e sabe como empolgar o espectador.

“Rei Arthur: A Lenda da Espada” tem lá seus problemas em desenvolvimento e consistência de personagens e ritmo de trama, mas é um filme honesto ao que se propõe acertando em sua linguagem incomum que dialoga com fãs do diretor e com o público jovem atual, sempre embalado com uma técnica impressionante de arte, trilha, ação e claro, graças ao grande carisma do herói vivido por Charlie Hunnam. O saldo aqui é muito satisfatório, e torcemos agora para que se produzam sequências explorando esse mundo e seus personagens, afinal existem grandes possibilidades considerando o final do filme.

REVER GERAL
Roteiro
7
Direção
8
Atuações
8
Direção de Fotografia
9
Direção de Arte
9
Nascido em São Joaquim da Barra interior de São Paulo, sou um escritor, cineasta e autor na Cine Mundo, um cinéfilo fã de Spielberg e Guillermo del Toro, viciado em séries, leitor de quadrinhos/mangás e entusiasta de animações.