“O Escravo de Capela” é uma obra que tem ganhado cada vez mais notoriedade entre os amantes do gênero terror. Publicado pela Faro Editorial, o livro se destaca inicialmente pelo design impecável de sua edição e por seu tema, que traz uma história embasada em um período marcante de nossa sociedade, a escravidão.
Tivemos a oportunidade de entrevistar o grande autor dessa obra, Marcos DeBrito, que além de escritor, também é cineasta e encabeçou o longa “Condado Macabro”, lançado em 2015 e disponível atualmente em plataformas online, como o Telecine Play.
Repleto de referências, Marcos nos contou sobre as dificuldades de fazer cinema no Brasil, as diferenças de público entre a indústria do audiovisual e a literária, e claro, diversos detalhes sobre “O Escravo de Capela” e as inspirações por trás da obra.
“Eu assistia Twin Peaks desde as primeiras exibições nacionais, na tv aberta”
Quais são as suas grandes referências, seja no cinema ou na literatura?
“Eu quis fazer cinema por causa do Quentin Tarantino – assim como boa parte da minha geração – e também por conta do David Lynch. No caso do Tarantino a inspiração vinha dos diálogos rápidos e da violência que ele imprime na tela, enquanto o Lynch é por conta do clima que ele constrói em seus filmes, que acaba sendo mais importante que a coerência do roteiro, deixando a produção com aspecto confuso.”
Marcos também revelou que Into The Void é o seu filme favorito, porém na prática suas referências são outras: “O engraçado é que maioria dos filmes que eu costumo gostar, não são parecidos com o meu tipo de cinema. As influências de ‘O Condado Macabro’ são filmes como: O Massacre da Serra Elétrica, A Casa dos Mil Corpos, Sexta-feira 13, Motel Hell, Balada do Amor e do Ódio, entre outros”, afirmou.
No âmbito da literatura, as influências vão do horror gótico ao romantismo. “As minhas referências máximas, que eu sempre leio e releio, são Álvares de Azevedo e Edgar Allan Poe. Talvez Poe não seja novidade para quem escreve sobre terror, mas é inquestionável a grandeza da construção poética que ele fez em ‘O Corvo’, assim como acontece com ‘Macário’ do Álvares de Azevedo, que sempre quando me falta inspiração eu releio. Eu gosto muito do ultrarromantismo, com cenas descritivas, frases longas, parágrafos longos…”
Qual foi o estopim para você escrever “O Escravo de Capela”?
“O Escravo de Capela foi o meu terceiro roteiro de cinema. Primeiro eu escrevi ‘À Sombra da Lua’, depois foi a vez de ‘Nelson Ninguém’ que tinha um orçamento mais barato, mas ainda era caro e ele acabou ficando na gaveta. Depois disso eu resolvi escrever ‘O Escravo de Capela’, pois eu queria contar uma história do Brasil colonial, sobre os escravos, mas de uma ótica diferente, onde o sobrenatural viesse como uma forma de contraste ao terror real da época.”
“Eu jamais tive a intenção de repaginar o folclore nacional”
Marcos nos contou que estudou diversas lendas para construir o seu próprio saci, de forma que ele fosse original e repleto de referências, mas também respeitasse as histórias que já existem.
Muito dos elogios que o livro tem recebido evidenciam o caráter nacional da obra. Você pretende abordar outras lendas do folclore, ou até mesmo outros momentos históricos do Brasil em seus próximos projetos?
“Eu nunca penso em como explorar algo, a história simplesmente surge em minha cabeça e eu começo a desenvolver, então eu não tenho essa ideia de pegar outras lendas e criar uma antologia, apenas porque o primeiro livro deu certo. Eu definitivamente não possuo essa visão comercial. Inclusive uma coisa que me prejudicou no meu primeiro livro, é que quando eu entreguei o projeto para a editora, eles me enviaram um contrato sugerindo que a história se tornasse uma trilogia, e eu neguei, pois na época eu não enxergava uma continuação. No entanto, hoje eu já estou escrevendo a sequência, e particularmente a considero até melhor que o primeiro. Então depende muito do momento.”
O personagem do Fortunato foi inspirado no Preto Velho?
“Sim, eu até faço uma citação direta no livro para evidenciar essa influência, além do próprio cachimbo, que vem do saci, mas eu transferi para o Fortunato. Para mim foi muito legal explorar esse personagem, pois me proporcionou estudar a fundo todas as questões da escravatura, e além do Preto Velho, ele também é o curandeiro, então eu realmente tive que me aprofundar nas questões da religião.”
Com o sucesso que o livro tem feito, você pretende retomar o roteiro e adaptá-lo para o cinema?
“Sim, como eu disse antes, a obra foi escrita inicialmente como roteiro e já está aprovado pela ANCINE, mas encontra-se com um orçamento muito alto, então eu deixo ela em terceiro lugar na minha fila de realização cinematográfica.”
E quais são os outros dois projetos?
“O que está mais próximo de sair se chama ‘O Retorno a casa dos Pesadelos’, com a Letícia Spiller e a Rosamaria Murtinho, que já manifestaram interesse e participaram de algumas reuniões sobre o projeto. Este é o longa mais “barato”, pois seguirá os moldes de casa assombrada, e contará somente com as duas atrizes mencionadas e mais dois adolescentes. Já o segundo projeto é o ‘Elevado 16’ do Rodrigo de Oliveira (também da Faro), no qual eu fui convidado para dirigir, enquanto o Rodrigo entra como co-produtor. Ainda não há certeza de qual dos dois longas irá sair primeiro. Já ‘O Escravo de Capela’ fica em terceiro por conta do orçamento alto, porém esse é um dos projetos que tem gerado um maior interesse por parte dos investidores, não apenas pelo sucesso do livro, mas por conta de sua história que fala sobre a liberdade e o folclore nacional, dois temas que possuem apelo tanto de patrocínio como de público, mas mesmo assim nenhuma das ofertas foram suficientes para cobrir os gastos de filmagem, então acabei negando e sigo aguardando uma oportunidade melhor.”
Você notou uma facilidade maior em conseguir investidores após ter consolidado seu nome na indústria, tanto pelos seus prêmios na área do audiovisual, como pela repercussão de seus livros?
“Sim, é importante pois colabora na construção de seu currículo. Para você ter um filme aprovado na ANCINE, no fundo setorial, você precisa ter um portfólio expressivo, então já ter um longa metragem, curtas premiados em festivais importantes, e três livros publicados, ajuda a construir uma visão mais confiável acerca de você como profissional, algo que o torna mais interessante na hora de avaliarem o seu projeto. No caso do ‘O Escravo de Capela’, ainda é uma publicação muito recente, mas mesmo assim, quando eu chego em reuniões para apresentar meus projetos e mostro o livro, ele acaba cativando. Além disso, eu como profissional me sinto mais seguro tendo o respaldo do apoio do público e de uma editora tão grande como a Faro.”
E quanto aos livros, o que podemos esperar de você nos próximos anos?
“O meu mais novo lançamento é Soturno, publicado no livro ‘Narrativas do Medo’, que reúne contos de 18 autores nacionais do gênero terror. Além desse, eu já tenho um livro fechado para o próximo ano, e estou escrevendo uma continuação de À Sombra da Lua que também terá a sua primeira edição republicada pela Faro Editorial.”
A nossa conversa com o autor se prolongou, e abaixo você confere mais detalhes focando em sua trajetória no gênero terror.