Nessa noite de segunda-feira (dia 18 de janeiro de 2016) a presidência da Academia de Ciências Cinematográficas respondeu às críticas que vem sofrendo continuamente a respeito da ausência de representatividade em seus nomeados. Nos dois últimos anos, foram 40 indicações e nenhuma delas incluía atores negros além de os prêmios de direção roteiro serem tradicionalmente escassos de mulheres. O que isso significa? Por que isso acontece? Por que isso precisa ser discutido?
Na nota divulgada, Boone Isaacs escreve que “A Academia está tomando medidas dramáticas para alterar a face de nossos membros. Nos próximos dias e semanas iremos conduzir uma revisão de nosso processo de recrutamento de novos membros com a intenção de trazer a tão necessária diversidade em nossos escolhidos de 2016 e próximos anos”.
Para entender essa declaração é necessário que avaliemos quem são votantes da Academia, qual a relação entre eles e falta de representatividade negra e feminina, para assim, identificarmos o que precisa ser revisto.
– Quem vota?
Ano passado escrevi um post um pouco mais detalhado a respeito do funcionamento da votação que elege os indicados e vencedores do Oscar, você pode conferi-lo clicando aqui. Irei ressaltar um pequeno resumo para que o entendimento do problema possa ser esclarecido: Primeiramente, é importante destacar que, segundo uma pesquisa realizada pelo Los Angeles Times em 2012, 94% das pessoas que compõe o corpo de votantes são brancos, 77% são homens e 54% estão acima de 60 anos. A Academia é formada por pessoas que preencheram um formulário de inscrição, são muito relevantes na indústria cinematográfica ou foram previamente indicadas ao prêmio.
O Los Angeles Times preparou um video no qual apresenta as estatísticas alcançadas com sua pesquisa, os resultados são alarmantes. Confira o vídeo clicando aqui.
– Que tipo de filme chega a essas pessoas?
Não é difícil fazer alguém concordar comigo quando digo que existe o “filme de oscar”, aquele filme que não é necessariamente muito interessante, mas que recebe indicações e as pessoas aceitam com facilidade por já estarem acostumadas a verem sempre os mesmos filmes e pessoas serem indicados todas as vezes. É comum vermos grandes dramas, filmes de guerra (especialmente relacionados ao holocausto), filmes extremamente patriotas (ano passado tivemos Sniper Americano, esse ano temos Bridge Of Spies) que destacam grandes “heróis” da cultura americana. Isso acontece porque existe uma relação de identificação do público votante do Oscar com o tipo de história que normalmente recebe a atenção da Academia.
Isso me lembra a campanha massiva para que “Que horas ela volta?” fosse indicado e os vários textos opinativos que destacavam porque um filme como esse nunca seria lembrado pela Academia. “Que horas ela volta?” é um filme que retrata uma realidade brasileira muito particular e cultural nossa, o votante do Oscar não se reconhece nesse filme e consequentemente não se interessa por ele. O mesmo vale pra obras que dão lugar de destaque a mulheres, negros, homossexuais, etc. São raríssimas as situações nas quais filmes que representam esses públicos são lembrados pela Academia. Você pode até lembrar de alguns filmes, mas quando os colocarem ao lado dos que retratam a realidade do homem branco americano o número é desprezível.
Dessa forma cria-se uma bola de neve branquíssima, onde os votantes brancos escolhem os brancos que serão futuros votantes. Com a acensão dos movimentos sociais feministas e negros, a Academia passou a receber cada vez mais críticas quanto a falta ou má representação desses públicos, e se vê na necessidade de refletir acerca de seus métodos de adesão e seus membros.
– “É mimimi!”, diz o homem branco.
Nos comentários do site AdoroCinema que publicou a nota divulgada pela Academia podemos ver comentários desse tipo:
Para ver todos os comentários clique aqui
– Mérito e Viola Davis
Fazendo o simples levantamento contextual que tentei elaborar aqui é ingenuidade (pra não dizer burrice) levantar como argumento o discurso meritocrático, que para fazer sentido precisaria supor que todos os públicos partissem do mesmo lugar, com as mesmas oportunidades. A população negra é chamada de ‘minoria’ pela opressão racial que lhe acomete, mas numericamente ela é bastante presente. Então por que é tão raro vermos negros em comerciais de tv? Ou representando papéis que poderiam ser representados por brancos? Por que negros são comumente vistos como escravos, empregados, traficantes, prostitutas, rappers, etc?
O problema apontado aqui (sim, isso é um problema) não é algo específico do Oscar. A representação negra no cinema e na tv ainda é mínima, considerando que os chefões produtores, diretores e comandantes de estúdio também são homens brancos.
Violas Davis apontou em seu discurso no Emmy que “a única coisa que separa mulheres negras de qualquer outra pessoa é oportunidade, pois não há como serem premiadas por papéis que não existem”. Se você ainda não ouviu as palavras dessa musa, por favor:
Se você ainda acha que os indicados ao Oscar são simplesmente “os melhores”, ou que as mulheres são quase inexistentes nas categorias de direção e roteiro por que elas não se interessam por tais áreas e preferem ficar com figurino e maquiagem, você precisa sair um pouco mais da sua bolha.