“Podemos honrar quem fomos e escolher quem nós seremos daqui em diante”
Após uma longa espera recheada de muitas especulações e boatos, os “whovians” e os fãs de ficção científica finalmente puderam conferir o que Jodie Whittaker, Chris Chibnall e a BBC prepararam para o futuro de Doctor Who.
Diferente dos outros inícios de temporada, nesse eles tiveram que não apenas introduzir novos companions, como também uma nova personificação do amado “Doutor/Doutora” e ainda foi preciso mostrar ao público o novo tom da série decorrente da mudança de showrunner.
A trama é situada em uma cidade de Yorkshire do Sul, onde Ryan Sinclair, Yasmin Khan e Graham O’Brien terão suas vidas transformadas para sempre, quando uma mulher misteriosa – que não se lembra de seu nome – cai do céu durante a noite.
O episódio mostra o encontro de Ryan, Yasmin, Graham e Grace diante de um objeto alienígena desconhecido que os coloca frente a frente com uma ameaça sombria, contudo logo a Doutora surge diante deles e juntos precisam entender o que está acontecendo e como combater o inimigo, ao mesmo tempo que a Doutora ainda se recupera da regeneração que sofreu há pouco tempo.
O roteiro de Chris Chibnall consegue entregar em uma hora, tudo que Doctor Who representa, estão ali os dramas pessoais mundanos de seus protagonistas misturado com um clima profundo de mistério e terror que aos poucos dão espaço para a aventura em uma conclusão épica, na qual a Doutora não só confronta o vilão, como também muda a forma como esses humanos lidam com seus próprio problemas do mundo real, lhes dando uma nova perspectiva de como poderiam viver suas vidas.
De longe quem mais se destaca na trama é a Doutora de Jodie Whittaker, que por ainda estar se regenerando, deu muito espaço para a atriz ir moldando a personalidade da personagem na medida que ela se lembra de quem é. Dotada de empolgação, excentricidades típicas, um carisma inconfundível, Jodie mantém boa parte da essência do “Doutor”, mas na sua versão ela parece trocar a eventual arrogância por um excesso de auto-confiança, algo que soa muito bem e traz originalidade para a sua performance.
O restante do elenco – que por sinal é muito bem diversificado entre etnia e gênero – deve ser mais explorado futuramente, mesmo assim, aqui eles já se saem muito bem, tanto no drama como no humor, com destaque para as performances de Bradley Walsh como o relutante Graham O’Brien e Tosin Cole como o conturbado Ryan Sinclair que apresenta um dos arcos principais da trama, nos emocionando e nos faz chorar até o final do episódio. Para completar, ainda temos a animada Grace vivida por Sharon D. Clarke que protagoniza algumas das melhores cenas da história.
A química entre o elenco também está ótima, com destaque para Mandip Gill (Yasmin) junto de Tosin Cole (Ryan), que formam aquele típico casal que já funcionou muito bem com o “Doutor”, questionando, argumentando e tentando auxiliar na resolução do mistério, assim como Bradley Walsh com Sharon D. Clarke que ajudam a revigorar o humor da trama.
A direção de fotografia até esse momento parece se aventurar por uma mistura entre a fase Matt Smith e Peter Capaldi, usando de sombras e contrastes fortes para trazer o tom de desespero e os aspectos de ficção científica sombria, além disso explora também as cores como amarelo e azul que ajudam a inserir certa leveza, humor e uma sensação de aventura que o episódio precisa para se consolidar. Quanto aos enquadramentos e ângulos há um bom trabalho para se criar o ritmo de um suspense e desenvolver os atores com muito dinamismo.
A direção de arte traz figurinos que nos remetem muito bem às variadas e conflitantes personalidades dos personagens fazendo com que se diferenciem uns dos outros, além é claro, do design meticuloso para o vilão que é dotado de muita originalidade e causa uma boa sensação de medo e estranheza, assim como das vestimentas escolhidas pela Doutora que combinam com o seu jeito excêntrico e empolgante da heroína. Por outro lado, não há muito charme nos cenários escolhidos para a trama, existe um ou outro que explora bem a natureza da produção e tom da série, mas nada que podemos identificar como sendo parte das características tão marcantes de uma série como Doctor Who.
A direção de Jamie Childs consegue conduzir muito bem os vários elementos de terror, mistério, aventura, drama e humor e ainda sabe equilibrar o foco entre o grande elenco, fazendo desse primeiro episódio uma montanha-russa de emoções que irá agradar muitos fãs da série além de conseguir fazer uma boa apresentação para aqueles que ainda desconheciam essa produção.
A estreia de “Doctor Who” apresenta um conflito simples e comum como muitos já vistos anteriormente, mas é fiel ao espírito do que tornou ela tão memorável até hoje, valorizando personagens e temas fortes como empatia e superação. O episódio ainda soube bem como mostrar a importância de lidar com a vida de forma alegre, mesmo diante das situações mais caóticas e sombrias guiados agora pela força de Whittaker como Doutora que promete ser uma das melhores personificações da personagem até hoje, e lembrando que vivemos períodos turbulentos com discursos de ódio, guerras, cinismo e depressão, portanto é bom termos conosco a Doutora para apontar a humanidade para a direção certa e nos revelar um pouco do que temos de tão incrível em nós mesmos.