Título: Objetos Cortantes
Autor: Gillian Flynn
Editora: Intrínseca
256 páginas
Depois do sucesso assombroso alcançado com “Garota Exemplar” é natural que mais pessoas se interessem pelos trabalhos anteriores de Gillian Flynn. A editora Intrínseca viu essa demanda e resolveu trazer para o Brasil o primeiro romance da autora intitulado “Objetos Cortantes”, ambientado na pequena cidade de Wind Gap que foi acometida por um crime bárbaro onde uma criança foi encontrada morta, sem os dentes e mais uma criança está desaparecida.
Camille é uma repórter que mora em Chicago e por ser nativa de Wind Gap é enviada por seu chefe para cobrir a história dessas garotas, porém ela terá que enfrentar os próprios demônios que tentou deixar esquecidos nas sombras daquela cidade minúscula, irá se por de frente com pessoas que exercem grande força sobre ela, e sentimentos adormecidos, voltarão a incomodar.
A capa de “Objetos Cortantes” casa perfeitamente com sua temática, o fundo preto manchado com traços brancos que simulam rasgos e cortes, um traço importante da nossa personagem protagonista. O título pintado em azul, a cor da frieza, do triste, da depressão que é o pano de fundo de todos esses rasgos paradoxalmente nocivos e agradáveis.
Apesar da escrita ágil de Flynn as primeiras páginas do livro se constroem em um ritmo lento considerando a personalidade frágil e fechada da qual se detém a personagem principal. A narrativa evolui gradativamente sem perder o passo. Fiquei bastante impressionada com a capacidade da autora de trabalhar tantas questões diferentes conseguindo arquiteta-las tão sabiamente interligando família, morte, luto, solidão, machismo, depressão de forma tão sutil e inteligente.
“Algumas vezes se você deixa as pessoas fazerem coisas a você, na verdade você está fazendo a elas”
À medida que ia passando as páginas percebi a pouca atenção dada à investigação e aos crimes em si, eram algumas cenas pontuais aqui e ali e conversas superficiais. Isso me preocupou um pouco, pois achei que o final iria ser acelerado para compensar essa falta de informações por a autora dedicar mais seu tempo explorando a relação de Camille com as pessoas daquela cidade. Em quase metade do livro me dei conta de quem era a pessoa responsável pelos crimes e isso me deixou chateada por um momento, pois achei que essa informação deveria ser jogada ao leitor e não adivinhada por ele “antes do tempo”. Ledo engano, as pistas estão ali porque devem estar ali, e o objetivo dessa narrativa está longe de ser conhecer quem fez isso com aquelas meninas, mas o porquê e como, é isso que faz com que “Objetos Cortantes” seja um romance policial diferente daqueles com os quais me acostumei.
A forma com que Flynn apresenta suas personagens é absolutamente encantadora, atribui profundidade não só à composição dos mesmos, mas à própria narrativa em si, ao contrario de obras mais rasas que introduzem seus personagens de uma vez apresentando nome, historia, e alguma características peculiares, a autora deixa o leitor confabular sobre as motivações de certos comportamentos e vai se aprofundando na personalidade de suas criações de forma paciente. Eu sentia como se estivesse abrindo um embrulho e dentro dele estivesse outro embrulho ainda maior que me deixava com ainda mais vontade de descobrir o que havia ali dentro, como se a cada evento ou característica revelada aquele personagem se tornasse mais compreensível ao mesmo tempo em que se transformava em algo cada vez mais intrigante e misterioso.
“Objetos Cortantes” não possui uma narrativa necessariamente eletrizante, porém Flynn demonstra segurança e talento na hora de prender seus leitores em sua história, entrega personagens detestáveis e encantadores, é fácil se enxergar na cidade da Wind Gap e ser devorada por aquele ambiente que no disfarce de cidade interiorana esconde segredos e desejos doentios.